O entrevistado de hoje é especialista em ortopedia e traumatologia, especialista em medicina esportiva, diretor científico do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul; e Coordenador Geral do Programa Agita São Paulo, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo
Yara Achôa, Fitness Brasil
7/12/2021
Em mais uma entrevista para o FB Fora de Série – o bate-papo com os notáveis da educação física –, em versão digital e podcast, trazemos hoje o Dr. Víctor Matsudo. Ele possui graduação em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; é especialista em ortopedia e traumatologia da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT); especializado em medicina esportiva pela Universidade de São Paulo (USP); livre-docente em medicina pela Universidade Gama Filho. Atualmente é diretor científico do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs) e coordenador geral do Programa Agita São Paulo, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Confira!
Como foi sua trajetória na área da medicina esportiva?
Sou formado pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e no internato consegui fazer uma parte nos Estados Unidos, na Universidade de Illinois, na área de medicina esportiva. Voltei ao Brasil, fiz residência em ortopedia na Santa Casa e depois o curso de medicina esportiva na Universidade de São Paulo. Fiz livre docência defendida na Universidade Gama Filho e 1974, junto com a Ana Maria Tarapanoff, criamos o Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul, que veio a se tornar o Celafiscs ao longo dos anos. Ali recebemos diversos alunos nas áreas de medicina, educação física, nutrição e fisioterapia. E que hoje são quase 300 ex-estagiários.
Outra área que atuo é na produção de pesquisa. De uma forma bem resumida, fizemos o desenvolvimento das curvas de aptidão física de escolares de São Caetano do Sul, de 7 a 18 anos, e todas as variáveis de aptidão física, um projeto que deu base para outro, que foi o de detecção de talentos com estratégias – e esse nos deu a oportunidade do primeiro grande prêmio mundial do Celafiscs, que foi a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992. Depois, vieram outros prêmios mundiais – como o Grande Prêmio Internacional de Medicina Esportiva dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992; o Prêmio de Pesquisa Philip Noël Baker em medicina esportiva, concedido pelo Conselho Internacional de Ciências do Esporte e Educação Física, em 1995; o prêmio do Príncipe Faisal da Federação Internacional de Educação Física (FIEP), em 1996, e o do The American College of Sports Medicine (ACSM), em 2014.
Esse reconhecimento surgiu em função de um programa de intervenção, o Agita SP, que nasceu em 1996. Ele foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como modelo. De Agita SP, chegamos a Agita Brasil, depois criamos a Rede de Atividade Física Das Américas (Rafa Pana). E tudo isso inspirou a criação do Agita Mundo Network, rede presente em 73 países e que passou a celebrar o Dia Mundial da Atividade Física, em 6 de abril. Já vou até adiantar o tema do próximo ano: Mover para Viver.
Como o senhor se envolveu com esporte? Verdade que sonhava ser jogador de futebol do Palmeiras e queria chegar às Olimpíadas?
É verdade. Eu jogava bola de manhã, à tarde, à noite. Faltava à escola de forma espetacular – não sei como passava de ano. Meu negócio era jogar bola. E lá pelos 13 ou 14 anos, vi a Olimpíada de Tokio e fiquei maravilhado. Falei: preciso participar de um negócio desses. Na época o Pelé tinha oito ou dez anos mais do que eu. Idealizei chegar na condição dele para jogar na seleção e chegar a uma Olimpíada. Era esse caminho maluco que pensava seguir. E quase a coisa aconteceu porque um olheiro aqui de São Caetano me viu jogar bola, disse que ia me levar para jogar no Palmeiras. E que ia falar com meu pai no dia seguinte.
Cheguei todo animado para falar com meu pai e avisei que uns diretores do Palmeiras iriam falar com ele, para eu poder treinar lá. Meu pai, como bom oriental, que tinha a educação em primeiro lugar, me disse: “você vai jogar lá de manhã, de tarde… e que horas vai estudar?” Respondi: acho que à noite. Meu pai foi claro: “então pode ir e não precisa mais voltar”. Meu sonho de futebolista terminou naquela noite.
Mas a medicina me deu outras possibilidades e participei de sete olimpíadas. Estive em sete Jogos Olímpicos em diferentes condições. Aliás, faço questão de contar uma história, para incentivar os jovens… Na Olimpíada de 1984 fui apresentar meu primeiro trabalho no Congresso Pré-Olímpico, como bolsista. Com o tempo fui convidado a dar uma palestra, depois outra palestra, coordenar mesa… E nas Olimpíadas do Rio fui convidado a dar a palestra de abertura, o que me honrou bastante. Isso para mostrar que vale lutar pelos sonhos. Tudo aconteceu como consequência de uma coisa importante: compromisso. E compromisso é se dedicar. Talento mais dedicação é a fórmula do sucesso profissional.
Como surgiu Agita SP e como foi sua evolução?
O Programa Agita São Paulo foi criado para combater o sedentarismo no Estado de São Paulo promovendo o nível de atividade física e o conhecimento dos benefícios de um estilo de vida ativa. Em um processo de planejamento de dois anos o Celafiscs buscou a parceria de profissionais dos principais Centros do Brasil e do Exterior, de onde se destacam o Aerobic Research Center e o CDC dos Estados Unidos o Health Education Authority na Inglaterra, e do Active Australia, entre outros.
Para alcançar uma população de mais de 36 milhões de pessoas, foi escolhida a estratégia de estabelecimento de parceiros institucionais. Após a fase de preparação, o Programa Agita São Paulo foi lançado em dezembro de 1996 e implantado em fevereiro de 1997, com o suporte de várias organizações. Hoje, mais de 400 instituições governamentais, não-governamentais, estaduais, e do setor privado, trabalham estabelecendo as metas, populações alvo, estratégias, ações e resultados desejados.
A mensagem central do Agita São Paulo está de acordo com a recomendação do Centers for Disease Control and Prevention e do American College of Sports Medicine, de que todo cidadão deve acumular pelo menos 30 minutos de atividade física por dia em pelo menos três dias da semana (se possível todos), de intensidade moderada de forma continua ou acumulada.
Segundo estudo realizado no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, em parceria com a Universidade de Harvard e o Celafiscs, 51 mil mortes por ano poderiam ser evitadas se a população realizasse alguma atividade física, tanto no tempo de lazer, em casa, no transporte ou no trabalho. Lembrando que atividade física pode ser qualquer movimento que aumente o gasto de energia como limpar a casa, cuidar do jardim, passear com o cachorro, praticar esportes. Os benefícios são inúmeros para a saúde física e mental.
Descobrimos um novo paradigma para promoção da saúde, com diferentes níveis de atividade física. Daí surgiu a fórmula dos 30 minutos do Agita SP. Veio depois o Agita Brasil e o Rafa Pana. Com isso, a OMS reconheceu nosso programa e surgiu o Agita Mundo Network.
Sãomilhares de vidas impactadas nesses 25 anos. E ainda: menos consultas médicas, menos medicamentos, menos exames, menos internações e menos cirurgias. O Banco Mundial inclusive veio a São Paulo para medir o impacto. Conclusão: o Agita significa uma economia de 310 milhões de dólares por ano no estado de SP no setor saúde.
Sedentarismo é inimigo da saúde. E com a pandemia o cenário piorou. O que profissionais de educação física devem olhar para combater esse mal?
Quando começou a pandemia, resolvemos convidar grandes cabeças nacionais e criar um manifesto internacional de promoção da saúde e da atividade física no pós-covid. Levamos três meses e enriquecemos com fóruns mundiais e da América Latina. E tudo isso foi lançado em 20 de outubro de 2020, causando grande impacto. Hoje são mais de 600 instituições signatárias do manifesto – mais de 200 internacionais. São 12 pontos de ações: desde reforçar atividade física na escola, até usar espaços públicos, lutar por políticas públicas que promovam atividade física e usar a mensagem correta da prática da atividade… Todo movimento conta – esse, inclusive, é o 12º item do manifesto.
Sobre o “Todo Movimento Conta”, queremos esclarecer e incentivar as pessoas a pensarem: nós temos 1440 minutos por dia; não é possível não ter 30 minutos para você. Mas se não tiver de uma vez, as novas evidências mostram que para se ter saúde basta se mexer a qualquer momento do dia. É só se movimentar.
Vale passear com o cachorro, limpar a casa, ir até a padaria a pé… A atividade física leve vale muito. É importante lembrar que se você faz atividade física vigorosa ou moderada, continue fazendo. Mas não extraia da sua agenda atividade física leve, que tem importante papel na promoção da saúde e na redução de índices de mortes por todas as causas.
Temos de passar uma mensagem positiva a respeito da atividade física, em vez de falar em VO2, massa magra… O povo entende o que é prazer. No agita pregamos 30 minutos com prazer. Escute seu aluno, seu cliente, veja o que ele gosta de fazer. Além de melhorar os índices de saúde, também diminui estresse, ansiedade, depressão, perda de memória. Não se prenda apenas à mensagem de melhora cardiovascular e combate à obesidade.
E sobre o futuro?
Temos de aprender com inovações, com mídias sociais, com aplicativos cada vez mais poderosos para aproximar a população da atividade física. Isso é fantástico. Mas no Celafiscs sempre acreditamos na mudança social por meio da promoção da atividade física. E para isso a gente luta por cinco “C”: 1) Competência; 2) Coesão – juntos vamos mais longe; 3) Compromisso – conhecimento a serviço da sociedade; 4) Criatividade – trazer coisas novas. Esses quatro “C” estão ligados à razão. Mas o quinto “C” talvez seja o mais importante: o C de Coração – pois sem paixão não se faz grandes mudanças.
Confira a entrevista completa no FBCast – o podcast da Fitness Brasil:
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