Profissional de Educação Física, a gaúcha Liège Gautério é bicampeã mundial nos 100 metros rasos para transplantados e sonha tornar-se tricampeã representando o Brasil, em abril, na Austrália. Conheça essa inspiradora história!
Yara Achôa, Fitness Brasil
6/1/2023
A atividade física sempre esteve em sua vida. Liège Gautério, de Santa Maria (RS), atualmente morando em Porto Alegre, começou aos cinco anos fazendo ballet. E nunca mais parou de se movimentar. “Tive uma infância saudável e ativa. Naquela época, havia muitas brincadeiras ao ar livre. Foi um período maravilhoso”, conta, hoje, aos 49 anos.
Formada em Educação Física, Biologia e Fonoaudiologia, em abril de 2003 Liège acordou com dor nas costas e pensou tratar-se de um incômodo muscular. Mesmo assim, foi para academia. Só que a dor piorava cada vez que inspirava. “Procurei uma emergência e fiz um raio X de tórax, que acusou um pneumotórax – uma bolha no pulmão que havia estourado. Fiz drenagem e cirurgia. A tomografia revelou inúmeras bolhas e, a partir daí, começou a investigação.” Então veio o resultado: tratava-se de fibrose pulmonar. “Uma doença progressiva, sem cura, e sem tratamento para a época”, conta.
Ela conviveu com a fibrose por oito anos, até seu transplante. “Os sintomas mais importantes começaram a aparecer seis anos após o diagnóstico. Comecei a cansar para fazer atividades simples, como tomar banho, escovar os dentes, caminhar. Passei a utilizar oxigênio 24 horas por dia. Entrei em lista de espera para o transplante de pulmão até que, cinco meses após, veio a minha doação. Foi em 29 de setembro de 2011 – a data do meu renascimento!” A cirurgia correu bem e a recuperação foi excelente, provavelmente devido a seu histórico saudável. Em três meses, já estava novamente treinando e trabalhando.
A importância da doação
“Em nosso país, somente a família autoriza a doação de órgãos. Por isso a importância da pessoa se declarar doadora e avisar seus familiares. No caso do pulmão há uma série de compatibilidades: tipo sanguíneo, tamanho do órgão, compatibilidade imunológica. Sou eternamente grata a essa família que me possibilitou uma segunda chance”, diz Liège.
E foi no esporte que viu a possibilidade de jogar luz em um assunto tão importante e desmistificar a ideia de que transplantado é alguém com muitas restrições. “Participei de competições escolares no atletismo, mas nunca treinei. Em 2014, por meio de um amigo, fiquei sabendo da existência dos jogos Mundiais para Transplantados – World Transplant Games Federation (WTGF) – e me interessei. Vi ali uma oportunidade de divulgar a qualidade de vida que o transplantado pode ter. Me inscrevi nas provas de 100m e 200m rasos, sem pretensão de pódio. Fui a primeira mulher brasileira a participar de um mundial para transplantados e, para minha grata surpresa, fui medalha de ouro nos 100m – a primeira medalha de ouro feminina do nosso país! Por ser uma medalha histórica, doei para o museu do hospital que me acompanha.”
Segundo a atleta, histórias positivas relacionadas a transplante impactam positivamente na causa da doação de órgãos. “Quando recebemos uma nova oportunidade de viver, queremos expressar nossa gratidão e encorajar os que aguardam em lista. Mostrar que o transplantado não é alguém necessariamente debilitado e com restrições é muito importante. Já ouvi pessoas que se tornaram doadoras por saber da minha história ou a de outros transplantados atletas.”
De sua estreia oficial nas pistas para cá, Liège Gautério não parou mais. Entre suas principais conquistas estão: ouro nos 100m e prata nos 200m no Mundial da Argentina em 2015; ouro nos 100m, prata no salto em distância e bronze nos 200m, na Espanha em 2017; bronze nos 100m e no salto em distância na Inglaterra em 2019. Mais: foi ouro nos 100m, 200m e no salto em distância no campeonato latino-americano na Argentina, em 2018. E para mostrar a necessidade da inclusão em diferentes esferas da sociedade, também participou de competições master para não transplantados.
Detalhe: em meio a essas conquistas, Liège ainda venceu um câncer de mama. “Fiz uma mastectomia radical da mama esquerda em 2015 e, em 2020, terminei meu tratamento medicamentoso. Mais uma vez os exercícios foram fundamentais na minha recuperação.”
Ela revela que os principais cuidados em relação a vida de uma atleta transplantada de pulmão são com as medicações (imunossupressores), que devem ser tomados para sempre a fim de evitar a rejeição do órgão. “Tem de ser tudo bem dosado e orientado: não podemos exagerar na intensidade dos treinos, uma vez que os mais extenuantes baixam a imunidade. Também devemos fazer reforço muscular, pois o corticoide que tomamos fragiliza tendões e ligamentos. E é essencial usar protetor solar porque a imunossupressão nos deixa mais suscetíveis ao câncer de pele.”
Próximos projetos
“Sou bicampeã mundial nos 100m rasos para transplantados e vou em busca do tri.” Sim, Liège Gautério quer mais. O próximo mundial acontece em abril, em Perth, na Austrália, e ela batalha também para conseguir recursos que viabilizem sua participação na competição. Para isso, abriu uma vaquinha on-line, onde qualquer contribuição e divulgação são bem-vindas.
E além dos treinos para o mundial, ela se dedica ao projeto “Se Mexe TX”, que idealizou para incentivar transplantados a se exercitarem e cuidarem da saúde por meio dos exercícios. No Instagram Liège pode ser encontrada em @liegegauterio @semexetx.
“Meu desejo é mostrar que é possível, sim, um transplantado ter qualidade de vida, chamando a atenção para a causa da doação de órgãos, já que mais de 50 mil pessoas aguardam por um órgão no nosso país. Eu tive a sorte de receber essa segunda chance de vida e estou aproveitando com muita honra ao SIM de uma família doadora. Vamos, juntos, ampliar a conscientização pela causa da doação de órgãos para que mais pessoas possam continuar escrevendo novos capítulos em suas vidas”, finaliza.
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