No mês em que as atenções se voltam ao tema, conversamos com as especialistas Carla Montenegro, Daisy Motta e Roberta Rica. Aqui elas compartilham informações que ajudam a salvar a vida de muitas mulheres
Yara Achôa, Fitness Brasil
20/10/2023
Atividade física é essencial para a vida. E, claro, não deve ficar de fora quando o assunto é prevenção e tratamento de câncer de mama – doença que em 2023, no Brasil, tem estimativa de 73.610 casos novos, com um risco estimado de 66,54 casos a cada 100 mil mulheres, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA). O câncer de mama ocupa a primeira posição em mortalidade por câncer entre as mulheres no Brasil, com taxa de mortalidade ajustada por idade, pela população mundial, para 2021, de 11,71/100 mil (18.139 óbitos). As maiores taxas de incidência e de mortalidade estão nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Portanto, o assunto precisa estar na pauta do dia. Nesse Outubro Rosa, ouvimos especialistas que explicam em detalhes a importância do movimento no dia a dia das mulheres e porque você, profissional de Educação Física, precisa estar ligado nessas informações.
“Quando falamos em câncer de mama, temos diversos fatores que podem estar associados. Como fatores de risco para o desenvolvimento temos questões genéticas – que correspondem a um pequeno percentual –, mas grande parte dos diagnósticos estão ligados a questões ambientais e comportamentais. É nesse sentido que a atividade física tem seu papel fundamental”, alerta a professora e doutora Carla Montenegro, profissional de Educação Física e coordenadora de pós-graduação do Einstein.
Os principais efeitos do exercício físico na prevenção do câncer envolvem a manutenção de um peso corporal saudável e níveis hormonais adequados. “Inicialmente os estudos avaliavam de forma observacional se as mulheres mais ativas teriam um menor risco de câncer comparado a mulheres menos ativas. Neste sentido tivemos vários estudos que acompanharam mulheres ao longo de um determinado tempo e avaliavam o perfil das que apresentavam câncer ao longo dos anos de seguimento. Os estudos de intervenção que realmente são capazes de inferir uma causa e um efeito, e assim buscam identificar os mecanismos, ou seja, de que forma o exercício físico previne e trata o câncer, são mais recentes. Isso ocorreu porque muitas pessoas quando recebiam o diagnóstico, eram desencorajadas a se manter ativas. Atualmente isso mudou. E temos diretrizes que recomendam o exercício físico para a prevenção e para o tratamento. Estar ativo pode, inclusive, reduzir o risco de recidiva”, explica Daisy Motta Santos, graduada em Pedagogia e Educação Física, com mestrado em atividade física e saúde e doutorado em fisiologia, pesquisadora no IATS, e que compartilha muitas descobertas e informações científicas em seu perfil @cienciadoexercicio no Instagram.
Doutora em Educação Física, professora de pós-graduação no Einstein, Valorize, Estácio, FMU e USCS e autora de livros de exercícios com peso corporal, Roberta Rica enumera algumas das maneiras pelas quais o exercício pode ser benéfico.
Na prevenção
1. Redução do risco: estudos epidemiológicos mostraram que a prática regular de exercícios físicos está associada a uma redução do risco de desenvolver câncer de mama. O exercício ajuda a manter um peso saudável e a regular os níveis de hormônios, o que pode diminuir o risco de câncer de mama.
2. Equilíbrio hormonal: a atividade física regular pode ajudar a equilibrar os níveis de hormônios no corpo, como os estrogênios, que desempenham papel importante no desenvolvimento do câncer de mama. O estrogênio estimula a divisão celular – se houver alguma falha nessa divisão, o risco de câncer aumenta. Além disso, o estrogênio pode ajudar algumas células do câncer de mama a crescer quando o tumor já está presente no corpo de uma mulher.
3. Melhora da função imunológica: o exercício regular pode fortalecer o sistema imunológico.
No tratamento
1. Redução de efeitos colaterais: pacientes em tratamento contra o câncer de mama frequentemente experimentam efeitos colaterais como fadiga, perda de força e função física. O exercício pode ajudar a diminuir esses efeitos colaterais, melhorando a energia, a resistência e a qualidade de vida.
2. Melhora do bem-estar psicológico: o câncer de mama e seu tratamento podem ser emocionalmente desafiadores. O exercício ajuda a melhorar o estado de ânimo, reduzir a ansiedade e a depressão, e melhorar a qualidade de vida das pacientes.
3. Manutenção da massa muscular e força: a prática de exercícios de força pode ajudar as pacientes a manter a massa muscular e a força durante o tratamento, o que é importante para a recuperação.
“É importante notar que a quantidade e o tipo de exercício apropriado podem variar de acordo com a situação de cada paciente. Antes de iniciar ou alterar um programa de exercícios durante ou após o tratamento do câncer de mama, é essencial consultar um profissional de Educação Física para obter orientações personalizadas. Além disso, a segurança e os limites individuais devem ser sempre considerados, pois cada paciente é única e pode ter necessidades diferentes. Outra ressalva é se esta aluna já era ativa ou não. Esta informação é extremamente importante na hora de elaborar o planejamento do treinamento”, reforça Roberta Ricca.
Quanto antes começar, melhor!
Daisy Motta diz que existem evidências que mostram que crianças ativas podem ter menor risco de desenvolverem alguns tipos de câncer na vida adulta. “Porém, precisamos ser cautelosos com relação a isso pois, ainda que devamos estimular uma vida ativa, o câncer é uma condição multifatorial – temos fatores genéticos, ambientais e epigenéticos envolvidos.”
Vale dizer, no entanto, que nunca é tarde para começar a se exercitar. “Os benefícios para a saúde podem ser alcançados em qualquer fase da vida. Sendo assim, iniciar a prática de exercícios físicos o mais cedo possível é uma abordagem ideal para a prevenção do câncer de mama, mas é importante enfatizar que é benéfico em qualquer momento da vida”, destaca Roberta Rica.
Exercício durante o tratamento de câncer
“Os benefícios sempre vão existir, tanto físicos, quanto mentais – principalmente no caso das mulheres, que podem ser impactadas com questões de autoimagem e autoestima, depressão e ansiedade. Em relação às questões fisiológicas, entre os benefícios estão proteção contra efeitos colaterais do tratamento – que, por ser agressivo, pode gerar consequências que perduram a vida inteira, como neuropatia e insuficiência cardíaca. A atividade física feita durante o tratamento oncológico ajuda na prevenção dessas complicações, melhora as respostas às medicações, enfim, ajuda a mulher como um todo”, diz Carla Montenegro.
As indicações médicas para tratar o câncer de mama podem envolver cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Um programa de exercícios deve ser selecionado dependendo de fatores como estágio do tumor, tipo de tumor e características individuais da mulher. “De modo geral, o tratamento, além da doença, pode trazer efeitos colaterais, inclusive prejudicar o coração e aumentar o risco de eventos cardíacos no futuro. Neste sentido é importante priorizar atividades aeróbicas como caminhadas, corridas e ciclismo que podem melhorar a função cardíaca”, explica Daisy.
Com relação ao próprio câncer, a especialista revela que existem evidências de que ele pode prejudicar o funcionamento musculoesquelético, aumentando a inflamação, reduzindo força e promovendo atrofia muscular. “Em quadros mais graves pode ocorrer uma caquexia, que se caracteriza por uma redução muito acentuada do peso corporal e da massa muscular. Por este motivo, o treinamento físico que visa fortalecimento muscular e hipertrofia se faz extremamente importante também. No caso do câncer de mama, por exemplo, existem exercícios específicos no pós-cirúrgico que visam reabilitar a paciente e dependem da extensão da cirurgia e do apoio ou acompanhamento de uma equipe multidisciplinar.”
Roberta Rica reforça a necessidade de um programa de exercícios personalizado, levando em consideração o estado de saúde geral, as limitações individuais e as preferências. “É extremamente importante a mulher se sentir bem e feliz em praticar o exercício, especialmente em um momento tão difícil.”
O profissional de Educação Física e a aluna com câncer
Receber um diagnóstico de câncer não é fácil. A doença e o tratamento podem gerar fadiga, que acabará por refletir de forma negativa na autonomia da paciente. “O profissional de Educação Física deve estar preparado para acolher a aluna, adaptando o treinamento físico de maneira individualizada, respeitando episódios de maior e menor limitação, motivação e energia. Ouça sua aluna, converse com os médicos e outros profissionais de saúde que a acompanham para que ela possa se sentir segura e receber intervenção multidisciplinar. Desta forma, cada vez mais oncologistas irão aconselhar suas pacientes a se exercitar antes, durante e após o tratamento”, destaca Daisy Motta.
“Entre os profissionais da saúde, somos os que estão frequentemente muito próximos da pessoa que enfrenta a doença. Digo que somos os olhos do médico. Então, diante de qualquer intercorrência, devemos sinalizar ao médico, levar as informações até ele, trabalhando junto em um plano terapêutico. Essa comunicação é muito importante”, reforça Carla Montenegro.
Roberta Rica concorda com o apoio emocional que o profissional de Educação Física pode dar, estando sempre atento e sendo empático. Além da prescrição do exercício, a especialista sugere:
Tenha uma comunicação empática: demonstre empatia e compreensão em relação às emoções da aluna. Esteja disposto a ouvir e permita que ela compartilhe seus sentimentos, preocupações e medos. Uma comunicação aberta pode ser reconfortante e fortalecer o relacionamento entre o profissional e a aluna.
Estabeleça metas realistas: estabelecer metas alcançáveis pode ajudar a aluna a se sentir mais capacitada e motivada.
Reforce suas conquistas: celebre as realizações da aluna, mesmo que sejam pequenas. Isso pode melhorar a autoestima e a autoeficácia.
Adapte o treinamento quando for preciso: esteja disposto a adaptar o treinamento de acordo com o estado emocional da aluna. Haverá dias em que ela pode se sentir mais cansada ou emocionalmente abalada – é importante ser flexível e compreensivo.
Um aspecto importante no tema exercício físico e câncer de mama se refere ainda à prática em grupo, socialização e apoio de amigos e familiares. “Portanto, é importante considerar grupos de conversa sobre o tema, divulgar informações sobre letramento em saúde que visam melhor compreensão da doença, fatores de risco associados e oferecer maior acolhimento”, finaliza Daisy Motta.
Referências
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