É como um quebra-cabeça: quando as peças do time se encaixam e o ambiente proporciona desenvolvimento, o sucesso surge como satisfação e empenho dos colaboradores, retenção dos alunos e crescimento
Por Yara Achôa, Fitness Brasil
8/2/2022
Por mais que a tecnologia avance e o dia a dia seja cada vez mais digital e facilitado por computadores, celulares e diversos gadgets, pessoas ainda fazem a diferença em qualquer negócio. Ter um time de colaboradores satisfeitos, felizes e motivados está diretamente ligado a bons resultados e crescimento. “Desenvolver uma cultura centrada no cliente começa com uma cultura centrada nas pessoas. O engajamento e a experiência dos profissionais e dos clientes são a mesma coisa. Por isto, a importância de cuidar da gestão das pessoas”, explica Flávia Brunoro, psicóloga e administradora, formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), FAESA Centro Universitário, Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), sócia e diretora operacional da Competition, liderando as equipes das áreas técnica, experiência do cliente, vendas e gestão de pessoas.
Há mais de 45 anos na área do esporte – como atleta e preparador de equipes –, educador físico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), palestrante, consultor e coach com especialização em Treinamento Desportivo, Marketing e Psicologia Positiva, Marcelo Karam relata a experiência que o fez um dos pioneiros em gestão de pessoas no mercado fitness. “Em 1985, acompanhei a seleção brasileira de ciclismo aos Estados Unidos. E resolvi frequentar uma academia no período em que estive lá, na cidade de Colorado Springs. Quando fui fazer a matrícula, quem me atendeu foi um professor de educação física e não um recepcionista. Achei interessante. Afinal, quem mais entende daquele espaço se não o professor? O profissional que recebe o provável cliente não precisa ser um atleta, mas tem que viver o ambiente para iniciar a conversa – é ele quem vai puxar a pessoa para dentro.”
Claro que a recepção é apenas um aspecto de uma ampla engrenagem para o sucesso do negócio, que envolve desde a zeladoria até o CEO. “Olhar para o recrutamento e a gestão dessas pessoas faz toda diferença. E a integração entre as áreas é essencial. Todos precisam beber da mesma água”, ensina Karam.
Como montar o time ideal
É preciso se empenhar na seleção de talentos que se encaixem no perfil da academia e no seu jeito de trabalhar. “Não existe ‘a pessoa certa’, mas a pessoa que tem os valores mais alinhados com a empresa. Isto mostra a relevância de se mapear os valores da organização para que, no momento da contratação, o líder ou responsável consiga identificar não somente as conquistas técnicas (pós-graduação, cursos), mas os comportamentos que possam ajudar a empresa a atingir seus objetivos. Uma forma de fazer isto é utilizar a técnica das entrevistas situacionais ou simular cases reais para identificar valores e mapear comportamentos”, diz Flávia Brunoro.
Para Marcelo Karam, o processo de seleção deve focar em encontrar uma pessoa que goste de pessoas. “Parece óbvio, mas não é. Quem trabalha com a educação física, precisa estudar e entender sobre comportamento humano, se aproximar, se interessar genuinamente pelo outro.”
E já se perguntou sobre o propósito do seu serviço ou negócio? Isso também é fundamental na hora de montar seu time. Todos no ambiente da academia ou da prestação se serviços da área fitness precisam olhar na mesma direção, saber quais são os objetivos a serem alcançados, como podem influenciar a sociedade. Enfim, entender porque fazem o que fazem para também sentirem-se realizados.
Por fim, a escolha assertiva é importante porque pode reduzir o turnover da academia. Assim, em vez de treinar regularmente novas pessoas, é possível investir no desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo, melhorando o nível de serviço e, consequentemente, seus resultados.
O papel do líder
Dentro do contexto de gestão de pessoas, o tema liderança merece destaque. “Quando comecei a trabalhar na Competition desenvolvi um Programa de Formação de Líderes mas ouvi de muitos colaboradores que eles não tinham interesse em ser líderes, pois gostavam de dar aula. Para eles, liderar era lidar com planilhas de excel, ver indicadores, ter uma equipe para colocar regras. Neste momento vi o desafio de desenvolver o conceito de liderança neste universo. Começamos a trabalhar os atributos e diferenciação do líder, considerando toda a amplitude da liderança – ser Líder de Si mesmo, Líder de Equipe, Líder do Negócio. E mais especificamente, no negócio fitness, mostrar que os instrutores são Líderes dos Clientes (mesmo que seja personal, com somente um cliente), pois liderança diz respeito à relação que você estabelece com o outro, o quanto gera confiança e consegue influenciar, positivamente, a mudança de comportamento”, conta Flávia Brunoro.
Com vasta experiência no tema liderança, Marcelo Karam relata um projeto de sucesso que desenvolveu para um curso de administração na universidade. “Levantei a questão: ‘como liderar se a pessoa não se auto liderar?’ Para realizar qualquer projeto, você precisa trabalhar autoliderança, gestão de tempo, não procrastinar, criar um mapa mental… Então, para tirar os alunos da zona de conforto, sugeri um desafio em equipe e um desafio individual, tendo como objetivo completar uma meia maratona (21K). A corrida foi o meio para os estudantes terem contato com essas habilidades. Alguns pais vieram reclamar, dizendo que os filhos estavam cursando administração, não educação física”, conta, divertindo-se. O fato é que o projeto marcou a vida de muita gente que se desenvolveu graças às lições aprendidas com o professor atleta.
Entre as principais atribuições do líder estão a observação e a escuta. Ele deve conhecer cada um de sua equipe! Além de as pessoas se sentirem importantes e valorizadas, esse hábito pode trazer situações do dia a dia, que muitas vezes o gestor da academia não sabe. Por exemplo: um problema estrutural na recepção (uma cadeira inadequada ou um computador travando) pode incomodar a recepcionista que, até sem perceber, acaba transferindo a irritação para o atendimento ao cliente.
Estar presente no dia a dia e disponível para sua equipe é outro requisito essencial, assim como dar feedback. O bom líder apresenta suas considerações sobre o trabalho desenvolvido, elogia o desempenho satisfatório e mostra os pontos que devem ser melhorados.
Onde é preciso melhorar
Segundo os especialistas, a área de RH da maioria das academias parece estar mais focada na administração da folha de pagamento do que na gestão efetiva e cuidadosa das pessoas.
“Os processos de contratação e o desenvolvimento ainda privilegiam as habilidades técnicas. É preciso estar atento às questões comportamentais. O profissional promove educação, saúde e bem-estar e não apenas ajuda a modelar um corpo”, pondera Karam.
“Também observo que não existe um programa estruturado de reconhecimento. Muitas vezes os incentivos e bonificações ignoram as expectativas dos funcionários, não são baseados em uma parceria ganha-ganha e acabam não gerando a motivação esperada”, aponta Flávia.
Outros pontos merecem atenção por parte dos gestores, de acordo com os especialistas:
Sentimento de pertencimento: o setor fitness tem um desafio que é o instrutor muitas vezes trabalhar em vários lugares – academia (em muitos casos mais do que uma), condomínios, parques. “Como conseguir o comprometimento dessa pessoa em busca de uma visão comum?”, questiona Flávia. Se a visão da empresa não está muito clara, se os profissionais não sabem o que se espera deles, acabam agindo de acordo com os seus interesses pessoais ou, mais problemático, adotando comportamentos de outras empresas.
Soft Skills (habilidades socioemocionais): é necessário maior investimento em habilidades como empatia, escuta ativa, comunicação, liderança, inteligência emocional, produtividade, entre outras. “Trilhar os dois caminhos – hard skills e soft skills – é fundamental para lidar com a competitividade do setor e se diferenciar no mercado, mas o desenvolvimento das habilidades socioemocionais é obrigatório para o conhecimento dos atributos que todos os seres humanos possuem, para o sucesso de uma cultura centrada no cliente e para uma maior realização na vida e no trabalho”, diz Flávia.
Para ter sucesso em ajudar as pessoas a atingirem seus objetivos, seja uma conquista no esporte, melhoria da qualidade de vida, tratamento de lesão, emagrecimento, a recomendação é trabalhar a cultura do cuidado. “É tratar as pessoas considerando seus valores, suas expectativas e seus objetivos, ou seja, sua individualidade. Uma academia que aplica isto em sua gestão de pessoas, consegue fazer com que o funcionário se sinta respeitado e motivado. E ele, então, fará o mesmo pelo cliente”, ensina a diretora operacional da Competition.
Desafios pós-pandemia
A crise sanitária provocada pelo Covid escancarou a necessidade de as pessoas olharem para a saúde. Com isso, o movimento em torno da atividade física, que está mostrando reação, tende a crescer. As academias e serviços fitness e os profissionais precisam estar preparados. “O principal ensinamento do período talvez seja que, apesar do crescimento do virtual, do home office, pessoas se conectam com pessoas e isto nunca irá mudar. Não importa se é presencial, online, híbrido, por trás de uma câmera ou de um computador, existe uma pessoa, que precisa ser considerada e que tenha alguém que se importe com ela”, diz Flávia Brunoro.
Na visão dos especialistas, se antes já existiam lacunas para uma boa formação de equipes, agora elas estão maiores – os desafios ficaram mais acentuados. “Se anteriormente falávamos de criar um time para remar no mesmo barco, agora precisamos considerar desenvolver um time para surfar a mesma onda, só que a onda requer criatividade, agilidade, flexibilidade e mais emoção”, diz a profissional.
A pandemia também trouxe a transformação digital para o RH, com o crescimento da gestão remota. Foi preciso revisar várias políticas (por exemplo, limites para cumprimento do horário de trabalho) e definir novas formas de trabalhar.
Outro ponto importante é o reconhecimento, por parte de várias empresas, que para se alcançar uma maior experiência do cliente, e aumentar os resultados do negócio, é preciso cuidar da experiência do funcionário (seu engajamento, felicidade e o quanto são promotores da própria empresa em que trabalham).
O desafio de se criar uma cultura do cuidado exige reconhecer as individualidades, ver o funcionário como dotado de desejos, expectativas e necessidades, e então construir relações humanizadas, que acolhem e favoreçam o protagonismo.
Estes são os grandes desafios e a mudança de postura exigidos quando falamos de gestão de pessoas na atualidade. Cada pessoa tem uma importância e ajuda a formar uma equipe de valor.
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