Entrevistamos com exclusividade o professor de educação física Alexandre Lazzarotto, mestre e doutor em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e autor do livro Recomendações para a Prática de Atividades Físicas para Pessoas Vivendo com HIV e AIDS
Yara Achôa, Fitness Brasil
1º/12/2021
Há 33 anos, a Assembleia Geral da ONU e a Organização Mundial de Saúde instituíram 1º de dezembro como o Dia Mundial de Luta contra a Aids. Em 1988, cinco anos após a descoberta do vírus causador da aids, o HIV, 65,7 mil pessoas já tinham sido diagnosticadas com o vírus, e 38 mil haviam morrido. Nos anos 1980, receber o diagnóstico da doença era como uma sentença de morte. Felizmente pesquisas e tratamentos evoluíram, levando a Aids a ser considerada uma doença tratável, como diabetes e hipertensão.
Mas assim como as novas drogas, o estilo de vida tem impacto profundo no dia a dia do paciente. A data de hoje é importante para lembrarmos das lutas até aqui e também para abrir horizontes para o futuro – tanto para portadores do vírus, como para a sociedade em geral. Para falar de um tema tão relevante, convidamos o professor de educação física Alexandre Lazzarotto, mestre e doutor em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que atua nas áreas de pesquisa em saúde, atividade física e saúde, epidemiologia e fisiopatologia das doenças crônicas e exercício físico, e um dos autores do livro Recomendações para a Prática de Atividades Físicas para Pessoas Vivendo com HIV e AIDS.
Confira a seguir os principais destaques do papo e a entrevista completa em nosso podcast no Spotify.
Por que o tema Aids chamou sua atenção e como você caminhou para estudos nessa área?
Desde o início da minha graduação me senti sensibilizado a investigar associação entre exercícios e doenças crônicas. Foi algo que me impactou. Verifiquei inicialmente que exercício poderia ser estratégia não medicamentosa de prevenção, de promoção a saúde, tratamento e reabilitação. Escolhi o tema para meu mestrado. Era um tema pouquíssimo estudado na época, 1996. Começamos a investigar. Tive a oportunidade de acompanhar centros de tratamento para pessoas com HIV/Aids e aprender sobre esse mundo. Depois do mestrado fiz doutorado e, mesmo após o termino, mantive um projeto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que atendia pessoas vivendo com HIV/Aids. Iniciamos em 2003 e seguimos até 2012. Nesse período houve uma mudança no paradigma da infecção pelo HIV.
Na década de 80 o exercício não era recomendado. Como os indivíduos tinham diminuição da resposta imune, não se sabia corretamente como o exercício ia atuar. Posteriormente em 1997, com a terapia antirretroviral combinada, houve um aumento da expectativa de vida e começou a se discutir de forma mais consistente a atuação do exercício. E hoje se sabe que essa é uma estratégia de promoção da saúde à pessoa vivendo com HIV/Aids e de tratamento de reabilitação extremamente consistente.
Como uma comparação entre passado e presente, a partir dos anos 1980, com os primeiros casos, as pessoas tinham a comunicação do diagnóstico como uma sentença de morte. A Aids não era uma doença tratável. Hoje sabemos que a Aids é uma doença tratável, como diabetes e hipertensão arterial sistêmica. Antes a expectativa de vida era de 5 a 13 meses, hoje a expectativa está condicionada ao uso da terapia antirretroviral e ao estilo de vida – daí entra o exercício.
Um programa de exercícios físicos pode ser utilizado como uma estratégia terapêutica não medicamentosa para amenizar ou retardar o desenvolvimento de algumas complicações?
Sim. É uma estratégia terapêutica não medicamentosa e de reabilitação. A partir de vários estudos robustos e pesquisas baseadas em evidências, o treinamento físico deve ser incorporado à rotina das pessoas vivendo com o HIV/Aids.
Quando começamos a trabalhar com pacientes com HIV/Aids chegamos a uma conclusão inicial de que eles seriam atendidos em programas específicos, como o que coordenei. Tínhamos, em algumas unidades de saúde, esse tipo de estratégia – o tratamento via exercício físico. Com passar dos anos, aprendemos que esse paciente pode frequentar uma academia, um centro de treinamento e pode ser atendido por profissionais como qualquer outro. E cabe a ele relatar ou não sua soropositividade. Se ele está acima do peso, se tem alteração do perfil lipídico, glicemia alterada, pode ser atendido por um colega na academia. O paciente não é obrigado a revelar sua condição sorológica – porque essa é uma decisão dele. Mas queremos descontruir a ideia de tratar pessoas com HIV/Aids como algo especial. Isso não é bom para ela nem para os profissionais da saúde.
Quais as atividades recomendadas para os portadores de HIV? Existe alguma contraindicação?
É indicado o treinamento combinado: aeróbico e treino de força. Uma sessão de 30 a 40 minutos já é suficiente para aumentar massa e força muscular, controlar perfil lipídico, melhorar composição corporal e condição cadiorrespiratória. A contraindicação é se o individuo não está clinicamente estável. E quem estabelece isso é o médico responsável pelo paciente.
E os benefícios da prática esportiva?
Há um impacto muito grande na qualidade de vida: melhora dos parâmetros antropométricos, diminuição de fatores bioquímicos, melhora de massa muscular, força e capacidade cardiorrespiratória. E mais: ganho de uma grande disposição para a vida. O exercício mexe muito com a disposição para a vida. Um indivíduo que frequenta uma academia, faz aulas, interage com outras pessoas, não se sente excluído, não se sente à margem. Tivemos um paciente bastante regrado, que melhorou todos os parâmetros. Um dia ele nos disse “me sinto tão bem, que quero voltar a estudar”. E se formou em Serviço Social.
A prática regular pode ajudar no aumento da imunidade?
A questão da imunidade não se resume só ao exercício físico. Prefiro trabalhar com uma margem de segurança. O exercício, mesmo quando bem orientado e executado, não interfere na resposta imunológica e na carga viral. Porque a imunidade não é só resultado disso. Outros fatores interferem, como o estado emocional. Posso ter um aluno disciplinado, que treina regularmente, mas é extremamente estressado. Aí ele tem um aumento de cortisol – e o cortisol pode ser imunossupressor.
Quais os principais cuidados que portadores do HIV devem ter na prática esportiva? E os profissionais e a academia que o recebem?
Para treinar, ele tem de estar clinicamente estável, sendo acompanhado por um médico e seguindo a terapia antirretroviral. Já os cuidados dos professores de educação física e das academias devem ser os mesmos que se têm com pacientes de qualquer outra doença. O HIV é transmitido apenas por quatros meios: leite materno, sangue, esperma e secreção vaginal. Ninguém se infecta com HIV com um abraço ou usando um aparelho na academia.
Estudando a fisiopatologia da infecção, sabemos como se transmite e não se transmite o vírus. Por isso, nossa preocupação é fomentar a formação dos profissionais de educação física para atuar no contexto da doença. A preocupação não é o paciente chegando na academia, mas existir ali um profissional de educação física capacitado para atendê-lo. Temos de olhar a matriz curricular. Como se desenvolve o HIV/Aids? Como pega e não pega? Qual o efeito adverso do tratamento? Essas questões devem fazer parte da formação dos profissionais, assim como falamos de diabetes e doença cardiovascular. O paciente também tem de perceber no profissional alguém que sabe sobre a doença. É preciso investir em formação continuada – mestrados profissionais e acadêmicos, cursos de especialização que estudem a fundo exercício e doença.
Onde buscar informação e atualização?
Na minha prática diária costumo consultar boas bases de dados científicos, como SciELO e PubMed. Tenho entre meus favoritos no smartphone, tablet, computador e leio semanalmente o que está sendo falado de HIV. Existe também um material desenvolvido em 2012 pelo Ministério da Saúde. Levamos dois anos produzindo esse conteúdo, partindo da explicação do que é HIV aids até como montar uma academia. Mas está na hora de atualizar esse material. Para os colegas que queiram entrar em contato comigo, também estou à disposição pelo LinkedIn Alexandre Lazzarotto e pelo e-mail alazzar@terra.com.br.
Qual a importância do Dia Mundial de Luta contra a Aids?
É uma data importante para falarmos contra a discriminação e o preconceito e a favor de pessoas com HIV/Aids, do empenho para serem atendidas por profissionais de todas as áreas. É uma data para se lamentar as perdas, mas também para celebrar a vida das pessoas que estão trabalhando, que são produtivas com HIV/Aids. Aids não é mais sentença de morte, é uma doença tratável. É dia de conscientizar também a sociedade, para que se acolha essas pessoas da melhor forma possível. É preciso viver cada dia da melhor forma possível e não acreditar que a vida é condicionada a um CD4 ou uma carga viral. A vida é muito maior do que isso.
Ouça a entrevista completa com o professor de educação física Alexandre Lazzarotto, mestre e doutor em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em:
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